Diário de Bordo, uma vida na maré - A porcaria do livro -

Só o inimigo não trai nunca

Li essa frase e achei digna de ponderação. Um inimigo é, afinal, um inimigo. Espera-se qualquer ato covarde e sem escrúpulos dependendo do grau de inimizade com o mesmo. Agora, o que esperar de um amigo? O que o levaria a trair? Questão de perspectiva? Um abalo intenso? Uma decepção aguda? Seja lá o que for eu não quero e não devo fazer parte disto. Principalmente entre aquele que está me despertando desconfiança desde o seu retorno à tripulação: Shuura.

Veterano de carteirinha entre os Corsários de Aegir, o monge (pau de sebo pros mais íntimos) tem seus sentimentos proporcionais a sua altura. Independente se bons ou ruins, a razão não lhe escapa como a emoção. Uma prova disso é o filho no ventre de uma das nossas inimigas mais mortais, o qual ele é o pai. Jamais impedi meus marujos de serem eles mesmos. Nunca os proibi de buscar seus sonhos e suas conquistas nem os obriguei a fazer o que fazem. Shuura sabendo disso, construiu uma história singular entre nós. Talvez a mais completa e admito que invejável da minha parte.

É ao mesmo tempo, o herói água com açúcar, o ajudante do mocinho e o terror dos desviados. Muito retardado, mas um retardado inocente. Pelo menos era. A figura enorme e alegre do monge emotivo desapareceu quase que por completo, desde a libertação do seu selamento errôneo. Não sei por que, mas os fatos conspiram a favor das palavras de um vidente: “alguém vai te trair”. Eu me sinto muito infeliz quando penso nisso.

Nada dura pra sempre. A verdade nua e crua é essa.

O que não necessariamente quer dizer que seja uma bosta, sempre, as mudanças. Skraidymas é um exemplo disso. Ainda torto, mas um exemplo. Quando vi esse marmanjo de seis dedos marchar com pose de fodão pro Deviace e me pedir um emprego como quem está me fazendo um favor, eu de cara pensei no sonoro “puta que pariu” que ele merecia ouvir. Fiz melhor. Mandei ele pro outro lado do mundo pra realizar uma tarefa de caridade que eu jamais realizaria (não sou mal) imaginando que o mesmo daria no pé e jamais voltasse.

Foi a minha primeira surpresa: o seu retorno. Ainda que de má vontade, mas um retorno. Quem o vê, não acredita que este é digno de receber ordens. Caramba, se eu pedisse pra ele urinar no mastro e latir, tenho certeza de que ele o faria! A questão é: Skrai pode ser um tremendo manipulável sem amor próprio, ou um extraordinário adepto à seleção natural. Ainda é cedo pra dizer, nem sei se vou chegar a descobrir quem realmente é o TK bom e mal, rebelde e obediente, dedicado e desleixado.

A última missão que tivemos realizou-se de acordo com as suas vontades. Fomos parar em um lugar totalmente dorgado que merece algumas linhas neste diário. Tenho certeza de que Skrai sabe mais do que aparentou. Me irrita o fato de escondê-lo. Gosto de tudo às claras, e este rapaz está me saindo mais enigmático do que Dona Dálmata e suas previsões esotéricas. Resta saber se o enigma vale a pena ser desvendado ou simplesmente deixado de lado.